3 de mar. de 2018

Quaresma e seus encontros – encontro com o culto

Considerando a Quaresma como promotora de encontros, no contexto do “Ano B”, vou considerar três aspectos da conversão quaresmal a partir do encontro com o culto. Em outras reflexões, considerei o encontro consigo mesmo (1DQ-B), o encontro com Deus (2DQ-B) e, agora, o encontro com o culto, na fonte inspiradora no 3º Domingo da Quaresma – B.
            Por culto, nesta reflexão, entendo um modo de entrar em contato com Deus, seja em privado, feito pessoalmente a Deus, ou comunitariamente, também denominado culto público, realizado nas celebrações.
            A Bíblia oferece muitas indicações quanto ao modo de cultuar Deus, mas duas delas servirão para compreender o significado profundo e sincero do culto, de onde se origina o apelo à conversão. Uma delas está no início da profecia de Isaias (Is 1,11-18). Pela boca do profeta, Deus se mostra enojado dos sacrifícios oferecidos por serem vazios, sem o suporte da vida. A profecia de Isaias retrata o culto mentiroso, feito de ritos e de exterioridades; um culto que não vem do coração e nem chega ao coração de quem o oferece a Deus. Este é um culto detestável a Deus.
            Outro texto que inspira minha reflexão encontra-se na carta aos Hebreus 10,5-14. É um texto básico, digamos assim, para compreender a Teologia do culto cristão. O autor da carta aos Hebreus anuncia que os cultos antigos, com sacrifícios (oferendas) de animais não mais existem; o culto verdadeiro acontece em Jesus Cristo, no sacrifício da vida de Jesus Cristo, para ser mais preciso. É a partir desta Teologia que se entende a espiritualidade do culto, que se avalia a sinceridade ou a superficialidade de um culto.

Adoração cultual e estilo de vida
            A principal característica do culto é a adoração a Deus. Cultuamos Deus para adorá-lo. No culto de adoração a Deus, o silêncio é uma necessidade (Hab 2,20), as nossas orações de súplicas (muitas vezes inocentes), nossas preces de agradecimento e de louvor são culto de adoração a Deus. Nossas celebrações têm a finalidade principal de adorar a Deus; disto o questionamento daquelas celebrações preocupadas em agradar os celebrantes pelo entretenimento emocional ou simplesmente visual.
            É neste contexto que o 3DQ-B convida a converter-se a um culto verdadeiro, que seja de adoração a Deus, excluindo toda e qualquer forma de adoração a ídolos, porque não existe outro deus além de Deus. É com este convite que a 1ª leitura do 3DA-B (Ex 20,1-17) conduz a comunidade e cada celebrante a avaliar o seu modo de cultuar a Deus a partir dos 10 Mandamentos. No contexto do 3DQ-B, entende-se que o culto verdadeiro só existe no coração de quem ilumina seu modo de viver nos Mandamentos divinos. Não existe culto de adoração a Deus sem o aval do comportamento pessoal e relacional com o outro, como referido na profecia de Isaías (Is 1,11-18).
O apelo à conversão quaresmal, portanto, para se adorar sinceramente a Deus, corresponde a viver de acordo com os Mandamentos divinos.

Culto e testemunho de vida
            Na Carta aos Hebreus, citada acima (Hb 10,5-14), o convite para cultuar a Deus é refletido numa expressão belíssima: “ecce venio!”. “Eis que venho para fazer a tua vontade”. Antes disso, o autor da Carta aos Hebreus coloca na boca de Jesus um reconhecimento: “não quisestes nem sacrifícios e nem oblações, então eu disse: “ecce venio” para fazer a tua vontade”. É claramente compreensível a mudança de uma forma de culto para outra forma de cultuar a Deus: não mais com sacrifícios da vida de animais, mas com o sacrifício da própria vida, fazendo a vontade de Deus no cotidiano da vida.
            É bom esclarecer que a palavra sacrifício, no contexto Litúrgico, não tem a conotação do senso comum, relacionada a sofrimento, a dolorismos ou renúncias de esforço extremo. O termo etimológico — sacrum+facere — significa “tornar sagrado”; tornar a vida um sacrifício é santificar a vida fazendo a vontade de Deus. Sacrifício é sinônimo de oferenda, como se reza na Missa, após a preparação das ofertas: “orai, irmãos e irmãs, para que o nosso sacrifício seja aceito por Deus Pai todo-poderoso”. O sacrifício da assembléia celebrante é o pão o vinho, sacramento da vida humana, que se transformará, pela ação do Espírito Santo, em sacramento da vida divina. Por isso, transformar a vida em sacrifício não significa optar por um modo de viver com dores e sofrimentos, mas em fazer da vida uma oferta agradável a Deus para tornar-se santo como Deus é Santo (1Pd 1,16).
            Um modo de transformar a vida em sacrifício, em oferenda a Deus, diz a 2ª leitura (1Cor 1,22-25) do 3DQ-B é testemunhar o Evangelho com o modo de viver. O verdadeiro culto, na reflexão de Paulo, não se preocupa com milagres (como se vê em algumas modalidades de Missa, que celebram para atrair milagres de curas), nem em propor uma ideologia social (como se vê em algumas modalidades de Missas com cores partidárias). O convite de Paulo propõe a fidelidade ao testemunho pelo discipulado de Jesus Cristo crucificado, prestando pelo modo de viver culto a Deus.

Destruir o culto interesseiro
            Por fim, a terceira proposta de encontrar-se com o modo de como cultuamos a Deus tem a ver com cultos interesseiros, como proposto no Evangelho do 3DQ-B (Jo 2,13-25). Jesus pede para destruir “este” templo, porque ele irá construir um novo Templo. O pronome “este” faz referência a um estilo de templo construído para o lucro e não para prestar culto de adoração a Deus.
            É um tema muito pertinente e agudo, que nem sempre gostamos de tocar, mas que é essencial no apelo da conversão quaresmal. Para que o culto seja verdadeiro, Jesus expulsa os mercadores do templo, aquelas pessoas que transformaram o templo num “covil de ladrões”. Gente que se serve da pobreza humana, seja material como a causada pelo desespero, para lucrar e “vender graças”, contradizendo o contexto gratuito próprio da graça. Aqui temos o pecado do culto das igrejas comerciais, que descaradamente vendem milagres e prometem riquezas em nome de Deus. Infelizmente, é preciso reconhecer que também entre nós existem aqueles que desvirtuam a finalidade do templo e o transformam numa supermercado de milagres e serviços religiosos. O apelo é forte em vista da conversão a um culto sincero, feito na gratuidade.
O templo é um espaço gratuito, um espaço da gratuidade divina, onde os celebrantes celebram seu culto de adoração a Deus na gratuidade divina, convertendo suas vidas à gratuidade. Nisto consiste a conversão ao amor, a recusa ao egoísmo e à avareza, de querer levar vantagem em tudo, até mesmo naquilo que pertence a Deus. Em termos radicais, o culto é gratuito, não local para pedir dinheiro nem que for para o dízimo. Todo interesse de lucro, no uso do templo, o transforma num covil de ladrões, como diz Jesus.
A conversão ao culto é extremamente necessária para se experimentar a gratuidade divina e se converter a viver relacionando-se gratuitamente com todos.
Serginho Valle

Março de 2018
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