8 de jun. de 2016

A música litúrgica nos ritos iniciais da Missa

Os ritos iniciais compreendem desde a procissão de ingresso até a coleta (oração do dia). São ritos caracterizados pela simplicidade e pela brevidade, com a finalidade de introduzir os celebrantes no contexto celebrativo próprio de cada celebração, através do acolhimento, da purificação interior, do louvor e da súplica. Isto diz respeito particularmente os ritos inicias das Missas Dominicais.
            Quanto ao espaço musical, a tradição litúrgica reserva três canções para os ritos iniciais: a canção que acompanha a procissão de ingresso, o canto laudativo do Kyrie eleison e o canto da glorificação inicial, com a doxologia do “Gloria in excelsis”. Isto é bem visualizado nas celebrações pontifícias, especialmente aquelas celebradas no Vaticano e nas celebrações solenes de algumas catedrais e abadias. Algumas comunidades paroquiais também criaram o costume de realizar uma Missa solene aos Domingos, que conserva tal estrutura.

Canto inicial ou de abertura
            O canto inicial tem a finalidade de acompanhar a procissão dos ministros. Não é um canto de acolhimento dos ministros, como teimosamente muitos insistem em seus convites de “ficar de pé para, cantando, acolher o padre e seus ministros”. Sobre isto, convido para ler o meu artigo “Acolhamos o celebrante”, publicado aqui, neste blogue.
O canto inicial é uma canção introdutória da celebração, escolhida a partir da antífona de entrada ou da Palavra do dia, ou ainda, da memória festiva ou solene da celebração.  Desta canção participam todos os celebrantes presentes na igreja, juntamente com os ministros. Ambos representam a Igreja caminhando em procissão ao encontro do Senhor Jesus, presente no altar. Neste sentido, uma das características do canto inicial é o de ser uma canção processional. Do ponto de vista comunicativo, o bom senso pede que seja uma canção pouco ritmada e calma, para não prejudicar a serenidade própria dos ritos iniciais e não cansar os celebrantes antes mesmo da celebração iniciar.

Kyrie eleison
            Quanto ao Kyrie, trata-se de uma canção laudativa com caráter proclamativo. Serve para louvar e proclamar o Senhorio (Kyrie) e a unção divina de Jesus pelo Espírito. Proclama-se que Jesus é o Kiryos (o Senhor) e o ungido (Christós) do Pai. Não se equipara, portanto, com a invocação “Senhor, tende piedade de nós”, como sugere (na tradução portuguesa) a um canto penitencial. Trata-se de um canto de exaltação da parte da assembléia que reconhece Jesus como Senhor e como Cristo, o ungido de Deus. Equivocam-se, liturgicamente falando, aqueles que cantam somente o “Senhor tende piedade de nós” como canto penitencial, uma vez que não é canto penitencial. Torna-se penitencial quando acompanhado de uma súplica penitencial. Esta é, digamos, uma “confusão” iniciada a partir da reforma do Vaticano II, com a inclusão de ritos penitenciais invocativos com o “Senhor, tende piedade de nós” e, inclusive omitindo o Kyrie, quando assim ocorre. Hoje, a confusão aumenta com composições que cantam o original Kyrie e Christe no ato penitencial.
            A confusão pode ter origem na súplica que intercede a piedade divina. Ora, esta piedade não pode ser traduzida unicamente em função das faltas cometidas pelos celebrantes. A piedade divina é um modo com o qual Deus nos ama com amor misericordioso. Invocar a piedade divina é nos colocar na condição de criaturas, que reconhece a piedade divina presente no Senhorio de Jesus Cristo (Kyrios), aquele que foi ungido pelo Espírito Santo de Deus (Christos). Esta dimensão criatural, que canta o Kyrios de Jesus Cristo, é facilmente percebida na melodia solene de tantos tons gregorianos.


Glória in excelsis
            O canto do glória tem a peculiaridade de ser um rito próprio de glorificação a Deus, no início da celebração. É também um modo de adorar a Deus, glorificando-o em sua santidade e reconhecendo que somente Deus é Deus e não existe nenhum outro além dele.
A Igreja propõe no Missal uma única forma de glória — o “Gloria in excelsis Deo” (Glória a Deus nas alturas) — mas aceita outras fórmulas que se equiparem a esta, desde que sejam devidamente aprovadas pelas Conferências Episcopais e, em alguns casos, por Roma. Algumas canções usadas atualmente neste rito nem sempre são litúrgicas. Hoje, alguns liturgistas defendem outras fórmulas de louvor inicial, mas ainda sem a aprovação de Roma.
Tanto o Kyrie, entendido como canto de louvação ao Senhorio de Jesus Cristo, como o glória, enquanto canto de glorificação, caracterizam os ritos iniciais como ritos que introduzem os celebrantes diante de Deus, reconhecendo com seus louvores e glorificações que estão diante de Deus. Neste sentido, não tem nada a ver com cantos de animações, pois são orações laudativas.

Outras canções
            Entre nós, aqui no Brasil, foram introduzidas outras canções nos ritos iniciais, como o Sinal da Cruz e o ato penitencial. Somadas às três comentadas acima, todo o rito inicial pode ser musicado, incluindo a saudação inicial do padre e a coleta que conclui os ritos iniciais. É uma possibilidade também presente no Missal Romano e por isso viável para os ritos iniciais. Mas, me permitam algumas considerações.
            A primeira é quanto ao número de canções que, quando excessivas, do ponto de vista da comunicação litúrgica, não cumpre a finalidade dos ritos iniciais. O princípio da comunicação litúrgica, nos ritos iniciais, é introduzir os celebrantes no Mistério que será celebrado. Como dito acima, entende-se que tal introdução favoreça o silêncio, a calma e a tranqüilidade. O excesso de músicas pode provocar a dispersão e o cansaço, o que não é conveniente no início de um processo comunicativo como o da celebração litúrgica da Missa. Por isso, em algumas assembléias pode-se acrescentar uma ou mais canções, mas em outras, como em assembléias de crianças, por exemplo, isso não é recomendado.
            Outra consideração é quanto ao estilo de música. Se entendemos a finalidade dos ritos iniciais, as músicas mais apropriadas para este momento são aquelas menos agitadas e com um tom capaz de acalmar em vez de movimentar e agitar. Por isso, bater palmas, introduzir danças e coreografias podem prejudicar o andamento geral da celebração, além de estender os ritos iniciais (breves por natureza) a um tempo desproporcional e prejudicial ao equilíbrio celebrativo.
            Minha terceira consideração é quanto ao modo de instrumentalizar as canções. Refiro-me principalmente ao canto do ato penitencial, acompanhado de pandeiros, baterias e tambores. É um momento orante, de súplica de perdão, que deve ser respeitado pelos instrumentistas, facilitando a oração dos celebrantes com uma canção e com instrumentos adequados. Pandeiros, tambores e baterias servem, nos ritos iniciais (se bem tocados), para o canto de entrada e do glória, não para o ato penitencial, por exemplo.

Conclusão
            Os ritos iniciais são caracterizados como breves e introdutórios à celebração. Por isso, recheá-los de canções é um modo de torná-los pesados e seu prolongamento prejudica o equilíbrio temporal da celebração, quebrando, desde o seu início, o ritmo de toda a celebração.
(Serginho Valle)





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