28 de out. de 2015

Reflexão para o dia de finados

Vivemos uma sensação de segurança, que dia menos dia desaparece de nossos horizontes. Até há pouco tempo atrás, por exemplo, nossos governantes diziam que tínhamos encontrado o caminho certo e que a vida dos brasileiros caminhava para o paraíso, incentivando todos ao consumo. Como um castelo de areia que se desmonta com a água que lentamente chega à praia, assim começou a ruir as esperanças de milhões de pessoas. Vale, neste caso, a verdade daquele provérbio latino que diz: “sic transit gloria mundi!” (Assim passa a glória do mundo). 
Nem tudo é governável no mundo e nem na vida, nem mesmo a prepotência arrogante de dizer que o futuro está em nossas mãos, principalmente quando estas mãos não são limpas, mas manchadas pela ganância que contamina e conduz à corrupção. Não se pode projetar o futuro em cima de caminhos de pecado que condenam à morte milhares de pessoas. Com o que foi roubado por um único ladrão do petrolão, por exemplo, seria possível garantir a saúde de milhares de pessoas. Todos os homens e mulheres morrem; esta é a nossa única certeza na vida, mas contribuir com a morte de milhares de pessoas por causa da ganância, eis um pecado que clama aos céus. De um país que se dizia fraterno e acolhedor, nos tornamos um país sujo, corrupto e corrompido com uma pena de morte que condena milhões de pessoas a viver na incerteza do que comer no dia de amanhã.
“Quem entrará na casa do Senhor?”, interroga o salmista, e logo em seguida ele mesmo responde: “aquele que tem mãos limpas e inocente o coração” (Sl 24,4). E continua, “aquele que não dirige sua mão para o crime...” Viver assim, com as mãos limpas, é cultivar no coração o mesmo desejo de Jó: “depois que minha pele será destruída, verei a Deus” (Jó 19,26). O mesmo Deus que contemplamos no rosto dos pobres (Mt 25,35ss), que contemplamos estampado nos momentos de amor com nossas famílias e nossos amigos, nos sorrisos de alegria celebrando a festa da vida, nas emoções de conquistas... Ora, tudo isso foi, de certa forma, roubado de nós. Os corruptos do governo e das empresas são também os ladrões de nossas seguranças e de nossa alegria porque semearam a desconfiança e o medo do futuro. Não são gente de bem, são corruptos, isto é, corrompidos pela ganância destruidora da vida dos outros. Se deixaram levar pela tentação da idolatria do dinheiro porque seus corações não eram da verdade e nem do bem.
Na celebração que comemoramos nossos falecidos, no próximo 2 de novembro, queremos agradecer a Deus pelo dom da vida daqueles homens e mulheres que dedicaram suas vidas para o bem do povo, mesmo que tenha sido de modo simples, no seio de nossas famílias e no meio de nossas comunidades. Agradeceremos também aqueles que honraram sua dignidade política para o bem de seus cidadãos. Hoje, repudiamos o veneno da morte e o fedor cadavérico que os corruptos jogaram no meio de nosso povo. Por causa deles, por causa deste horrível e execrável pecado social, hoje precisamos rezar por aqueles que morreram nos hospitais públicos, porque o dinheiro que salvaria suas vidas foi roubado por um ganancioso que já tinha demais.
Não queremos vingança, porque esta palavra não tem espaço nem no dicionário e tal atitude não habita o coração de um cristão. Queremos sim justiça em nome daqueles que morreram por causa do pecado social da corrupção e que continua matando a vida de nossa gente, em nossos dias.
Serginho Valle  





21 de out. de 2015

Ícone e uso de imagens na Liturgia

            Ícone é uma palavra de origem grega, que significa imagem. Enquanto nós, na Liturgia romana, usamos estátuas e pinturas em nossas igrejas e até em locais públicos, como praças e edifícios, a Liturgia oriental optou pelo uso de ícones, os quais se revestem e se fundamentam na Teologia simbólica. Dada sua riqueza teológica, hoje, muitos artistas da Liturgia romana estão adotando a iconografia oriental em suas obras, como é o caso do artista sacro brasileiro Cláudio Pastro. Neste meu blogger, já tive a oportunidade de publicar uma matéria sobre a iconografia com o título “Logomarca do Ano Santo da Misericórdia”, onde detalho, inclusive algumas indicações de como olhar e entender um ícone, a partir de suas cores, por exemplo. A logomarca do Ano Santo da Misericórdia é um exemplo de como a iconografia oriental está presente em nossa Liturgia, graças, como dizia, à sua fundamentação teológica.
            A Teologia simbólica da Liturgia Oriental descreve o ícone como “symbolon” que, no vocabulário litúrgico, designa uma forma de presença divina. Na nossa Liturgia romana, o “symbolon”, palavra de origem grega, foi traduzido para o latim como “sacramentum”. Não, portanto, um mero sinal, mas um symbolon, uma presença ou, se preferirem, um modo de presença. É neste sentido que a Teologia simbólica oriental considera os ícones como sinais transparentes (visíveis e tangíveis) daquilo que representam, como é o caso da Trindade, de Jesus Cristo, da Mãe de Deus (Theotokos), dos anjos e santos, dos Mistérios da Salvação, etc...
            A fundamentação da iconografia, sempre no contexto da Teologia simbólica, está na encarnação, segundo as definições do Concílio de Nicéia (787). Entende-se aqui o momento histórico, no qual (como fazem alguns evangélicos atualmente) criticavam e perseguiam fortemente o uso de imagens e de pinturas representando imagens divinas. Ora, uma vez que o próprio Deus se faz “imagem”, se faz ícone, ao assumir a carne humana, na encarnação — tornando-se assim imagem e semelhança de Deus (Gn 1,26) — os Mistérios divinos podem ser representados pela iconografia; podem ser expressados não somente por palavras, mas também com imagens. O Filho encarnado, Jesus Cristo, é a imagem perfeita do Pai (Cl 1,15). Disto os teólogos simbólicos, na sua grande maioria, artistas da arte sacra e litúrgica oriental, afirmarem que cada ícone é, antes de tudo, uma ação divina, uma epifania divina através da arte humana. Cada ícone, nesta linha de pensamento, é uma teologia visual, realizada em clima de profunda oração. A confecção de um ícone, portanto, é bem diferente que fazer modelos ou formas de plástico para fabricar imagens de gesso ou de outros materiais.
            O iconógrafo, antes de produzir seu ícone, entra em oração por um tempo, que pode ser dias ou semanas, faz jejum de dias ou semanas, e espera o momento inspirador ideal para expressar sua teologia e sua espiritualidade no quadro (na arte) de uma única vez. Isto porque, cada iconógrafo tem consciência que não está produzindo uma peça comercial, mas exteriorizando aquilo que Deus manifesta nele, através de sua obra de arte. Cada ícone é fruto de meditações, contemplações e inspiração divina. Assim, ele coloca seus talentos a serviço de uma obra divina, diante da qual, pela admiração da arte, é possível se aproximar e penetrar no Mistério divino.
            Antes de ser usados na Liturgia, cada ícone é abençoado e ungido com o óleo crismal, tornando-o uma peça consagrada, isto é, um meio dedicado a se aproximar do Mistério divino. Na nossa Liturgia, não temos a prática da unção de imagens, apenas a bênção de imagens, por razões que, depois do exposto neste artigo, se entendem como óbvias.
            Diferentemente de muitos aspectos da arte sacra ocidental, os ícones, na Liturgia Oriental não são feitos para serem admirados como obra de arte, mas enquanto obras de arte com a função de alimentar espiritualmente a alma do orante através da beleza. Faço um parêntesis para lembrar meu professor de Liturgia Oriental, no Santo Anselmo (Roma), Padre Gelsi. Ele ficava muito incomodado ao ver ícones sendo comercializados nas livrarias católicas de Roma ou servindo como decoração em conventos e até mesmo em igrejas. Conhecendo a função do ícone, entende-se facilmente sua “revolta”.
            Como já descrevi no artigo citado acima, sobre a logomarca do Ano Santo da Misericórdia, cada cor, trações e espaços têm seu simbolismo, o mesmo acontece para gestos e para as posições das figuras. Isto significa a necessidade de ser iniciado, de ter uma catequese, para compreender o significado do ícone. O ícone é uma obra de arte orante, que conduz à contemplação. Assim como a música, que em nossas celebrações deveria ser obra de arte orante e favorecedora da oração, a função do ícone, na Liturgia oriental, é de antecipar e trazer para diante dos olhos dos celebrantes a beleza da presença divina entre nós e, num contexto escatológico, reavivar o desejo de viver na Jerusalém celeste, a bela e artística cidade descrita no Apocalipse por João (Ap 21,1-22,5). Os ícones, portanto, do ponto de vista pedagógico celebrativo, como que acostumam os celebrantes a conviver com santos, anjos, com a Mãe de Deus, com o próprio Jesus Cristo. Uma beleza provisória, diga-se, porque simbólica, mas que continuamente remete ao que um dia será eterno.
(Serginho Valle)





14 de out. de 2015

Faldistorium

Faldistorium significa originalmente “cadeira dobrável”. Numa tradução mais livre, pode-se dizer “cadeira de lona”. No mobiliário litúrgico, o faldistorium é a cadeira do bispo, não a cátedra, mas uma cadeira móvel, usada em alguns ritos litúrgicos, quase sempre na frente do altar, como por exemplo, nas ordenações. Uma vez que a cátedra episcopal, na Idade Média, era posicionada na lateral do presbitério, havia necessidade de uma “cadeira provisória” — faldistorium — para que o bispo fosse visto durante alguns ritos litúrgicos.


7 de out. de 2015

Liturgia é para celebrar não para ameaçar

Será que a celebração por meio de profecias ameaçadoras é uma celebração cristã? Sempre fico intrigado com quem usa a celebração para fazer promessas de castigos divinos com ameaças para impor o Evangelho na base do medo. 
            Você liga o rádio e escuta alguém prometendo castigo aos pecadores que não se convertem. Noutra estação, algum profeta da teologia da prosperidade, promete miséria a quem não pagar o dízimo; alguns pregam isso de forma positiva: “depois que comecei a pagar o dízimo aumentou minha renda familiar”; como se a oferta do dízimo fosse uma troca visando a prosperidade financeira e não fosse um gesto de partilha gratuita e de agradecimento a Deus. Têm os catastróficos que, nas últimas celebrações do Ano Litúrgico, quando se faz memória do fim dos tempos, fazem malabarismos exegéticos para descrever Deus como um grande vingador e castigador que irá exterminar da terra todos aqueles que não o obedecem. Será que esse tipo de contexto celebrativo valoriza a celebração ou a deprime ou a descaracteriza?
            Continuando em minhas interrogações sobre este assunto, há algo que me entristece: é quando colocam Nossa Senhora como profetiza de desgraças. Confesso que meu carinho para com Nossa Senhora me deixa chateado de vê-la protagonista de ameaças e de recados catastróficos para a humanidade. De vez em quando cai em minhas mãos uma daquelas mensagens que dizem ser de Nossa Senhora prometendo uma ação terrível de Deus se não se fizer isso ou aquilo. Sinceramente, a concepção materna que tenho de Nossa Senhora não bate com a descrição de uma mãe proposta em atitudes de “madrasta” (como caracteriza a Psicologia às mães que não assumem a maternidade), com açoite e chicote nas mãos para ameaçar seus filhos com a morte e a destruição. Você já reparou que as celebrações marianas sempre exaltam a bondade misericórdia de Deus em favor do seu povo? Se assim a Igreja celebra a ação de Maria na Liturgia, por que desvirtuar o foco?
            Quando Jesus envia seus discípulos para pregar o Evangelho, ele os manda totalmente desarmados. E quando se diz desarmado, assim é de fato: não deveriam levar nem roupa e nem comida. Somente o que fosse necessário para caminhar e anunciar o Reino de Deus. É verdade que Jesus lhes concede poder sobre serpentes e sobre demônios. Para isso, a Liturgia tem uma celebração, aquela de exorcismos. Disto, minha estranheza ao transformar Missas em momentos de expulsão dos demônios, com atos penitenciais infindáveis. Bem que Jesus poderia ter dado aos apóstolos super poderes, que certamente impressionariam muito mais. Jesus, contudo, os enviou como pobres andarilhos falando de um novo Reino. Jesus optou pela paz, simplicidade e serenidade no jeito de falar e se apresentar e não pela publicidade “exorcizadora”. A paz, a serenidade e a simplicidade fazem parte de nossas celebrações e é isto que as caracterizam.
O Mistério Pascal, que celebramos, continua dizendo que a glória de Deus não acontece na morte e na destruição dos pecadores, mas na possibilidade de lhes propor uma nova vida. Mais que prometer catástrofes, castigos e ameaças, Deus enviou seu Filho para prometer a vida plena a quem dele se fizesse discípulo e discípula. Isto precisa aparecer em nossas celebrações, caracterizando-as como orantes, laudativas e propositivas da vida no discipulado.
(Serginho Valle)


5 de out. de 2015

Aclamação

Por aclamação, na celebração litúrgica, entende-se uma intervenção breve de toda assembléia para expressar sua adesão no rito que se realiza. Além da aclamação, que manifesta a participação dos celebrantes pelo “amém” nas orações proclamadas, as principais aclamações acontecem após a proclamação da Palavra, antes e depois do Evangelho, nos refrões orantes da Oração dos fiéis, antes do Prefácio, no decorrer da Oração Eucarística, na conclusão doxológica da Oração Eucarística, depois do embolismo do Pai nosso e antes do envio que dissolve a assembléia.

A aclamação é um momento importante da participação dos celebrantes, feita de modo verbal em diferentes ritos celebrativos. Em cada aclamação, os celebrantes manifestam seu consentimento à obra divina realizada no durante celebrativo, louvando, agradecendo, suplicando e comprometendo-se com aquilo que se celebra. 


← Postagens mais recentes Postagens mais antigas → Página inicial